sexta-feira, 10 de abril de 2009

O MANIFESTO INFANTIL

I
Arrumo os meus cabelos
Amarro meus sujos cadarços
O dia já estar para nascer
Para a rua preciso correr
E enfrentar os balaços.

II
Tenho que sair agora
Sem saber se volto ao anoitecer
“trabalho” na rua sem esperança
Meu frágil organismo de criança
Necessita de algo para comer.

III
Se eu na sair neste minuto
Irei ver minha irmã chorar com fome
Minha mãe sem nada para cozinhar
No lixão é onde vou trabalhar
E escrever todos os dias meu nome.

IV
Hoje faz frio e começou a chover
Tenho que ir mesmo sem agasalho
Ancorando em bocas de fumo
Vendendo drogas para o consumo
Daqueles que apostam nas cartas de baralho.

V
Tenho que enfrentar a lama da rua
Passar rapidamente pelo matagal
Sem tempo para brincar de bola
Só me oferecem cocaína, maconha e cola
Sou apontado por todos como marginal.

VI
O mais doce sonho quando consigo dormir
Sempre brincando em um lar de verdade
Mesa farta, família unida e feliz
Estudando sem drogas, policia ou juiz
Ao acordar, choro com a dura realidade.

VII
Já perdi muito tempo, preciso mesmo ir
Em busca de alguma solução
Percorrer lixões, avenidas e favelas
Entrincheirado em várias vielas
Por causa de um pedaço de pão.

VIII
Não há outro jeito, agora eu vou
Para o meu destino de cada manhã
Deixando para traz meu humilde lar
Minha mãe soluçando a chorar
E o sorriso da minha pequena irmã.


IX
Já estou na rua misturado a multidão
Encontrando tantos iguais a mim
Uns descalços, de costas nuas
Outros ainda dormindo nas ruas
Ou no banco de algum jardim.

X
Tantos artistas do futuro perdidos
Na máquina da esfera da administração
Massacrados por uma sociedade
Que auto denomina-se ter capacidade
De guiar os destinos de uma nação.

XI
Nesta selva de animais “racionais”
Vejo cenas que envergonham o Brasil
Policiais atirando sem causa ou razão
Bandidos matando gente sem perdão
Políticos patrocinando a prostituição infantil.

XII
Como o vento ou um barco a vela
Que nos levam pelo mar sem fim
Assim são os edifícios, lojas e restaurantes
Mansões, hotéis e motéis para os amantes
Proibida a entrada de pessoas iguais a mim.

XIII
Parada obrigatória nos service-selfs
Luto por algumas poucas migalhas
Peço uma moeda pra quem passa
Pedaços de carne, legumes e massa
Não me doam, jogam direto nas calhas.

XIV
Peço paz ao mundo inteiro
E sei que existe no céu um Jesus
Que foi assim como eu
Pouco teve, muito sofreu
E acabou morto em uma cruz.

XV
Esta é a minha conturbada rotina
Ferido como um pássaro sem asa
Vivendo toda manhã uma despedida
Debruçado nas janelas da vida
Feliz quando a noite chego em casa.

(Antonio dos Anjos – Viola, 18/02/2007)

CADE A MINHA NATUREZA

O povo diz que é sábio
Mas muito tem destruído
Em nome de um progresso
Aos poucos tem poluído
O nosso querido rio
Onde era um verde macio
É hoje um deserto esquecido.

Cadê as minhas florestas?
Que não consigo mais ver
Onde estão as matas virgens?
Aonde eu ia me esconder
Lamento meu passado
Por ter sido assassinado
Aumentando o meu sofrer.

Onde está a cachoeira?
Com a bela correnteza
Universo dos peixinhos
Berço de amor e beleza
Não tem mais fauna, nem flora
A minha alma chora
Pela morte da natureza.

Não escuto mais os pássaros
Cantando nas manhãs
Cadê o gavião e arara?
Não sobraram nem as rãs
Mataram a rolinha e o jabuti
O fura-barreira e o juriti
O joão-de-barro e as arribaçãs.

Cadê meu pé de aroeira?
De quando eu era menino
Hoje só vejo as queimadas
Aumentar meu desatino
A terra é um manto escuro
Selando o meu futuro
Condenando o meu destino.

Cadê as estreitas veredas?
Por onde meu avô andava
E as sombras das ingazeiras?
Onde meu pai descansava
Mergulhei na história
E guardarei na memória
Os caminhos que eu passava.


Não tem mais o manto verde
Cobrindo a minha terra
Nem vejo as minas d’águas
Descendo pela serra
O homem tem estragado
O nosso universo amado
Através da infinita guerra.

Mataram o pereiro e favela
Umburana, mororó e marmeleiro
Mandacaru, jurema e algaroba
Mulungú, angico e umbuzeiro
Baraúna, catingueira e aveloz
Está me faltando a voz
Pela morte do antigo juazeiro.

A fauna chora agonizando
Pelo homem, torturada
A flora se desespera
Pelo machado, desmatada
Não encontro um caminho
Hoje me acho sozinho
Perdido no meio do nada.

O povo se torna omisso
Usando a demagogia
Não dão chance de defesa
Ferindo a terra com rebeldia
Desmatando sem piedade
Onde era pra ser felicidade
É um ambiente de agonia.

Cadê os berços cristalinos?
Com os recursos naturais
E a caatinga de outrora?
Com as plantas medicinais
Curando qualquer ferida
Valorizando a vida
São coisas que não vejo mais.

A flor chora sem o colibri
Não tem mais preá no mato
As abelhas sem o néctar
Sofre o cachorro e o gato
Só existe o passado
Para apenas ser lembrado
Na imagem de um retrato.

Autor: Antonio dos Anjos (Viola) – 13 de outubro de 2008
Presidente da Academia Afogadense de Letras – AAL

A CANÇÃO DA VIDA

Há canções que penetra na alma
Faze-nos mergulhar no passado
São histórias jamais contadas
Que não foram publicadas
Nas rosas apenas espinhos
Ferindo-nos cada vez mais.

Há palavras escritas nas canções
Que nos traz alguma lembrança
Dos passos que já foram dados
Das injúrias corrompidas
Acordos não registrados
Pelas leis dos sentimentos.

Há momentos que ficaram
Presos no mundo da inocência
Como sentir pela primeira vez
O gosto de poder caminhar
O prazer de conseguir falar
O sabor do então primeiro beijo.

Há imagens repetidas nos sonhos
Reproduzidas pela mente
Da primeira professora
Do jogo de futebol no terreiro
Da dança sem ritmo na lama
Sentir as lágrimas de um adeus.

Há uma esperança em cada um de nós
Buscando o brilho da nossa verdade
Quantas vezes choramos ao cairmos
E dormimos angustiados
Um afago, uma palavra amiga
Tornar-se num porto de amor.


Há pendurada lá no imenso céu
Uma estrela que transmite a Fé
É como querer ao longe voar
Quando nem conseguimos daqui sair
Porque a chuva jorra a fria água
Acalmando qualquer desespero.

Há dois tempos que não podemos mudar
O passado que nunca voltará
E o futuro que continua sendo mistério
Apenas podemos mudar o direcionamento
Do nosso desconhecido futuro
Com as atitudes do nosso presente.

Há melodias tristes que transportam a alma
Notas musicais arrancadas do coração
Rimas renascidas do fundo da mente
O alfabeto constrói qualquer palavra
Escreve qualquer história
Mas, nunca traduz a magia da infância.

Há pessoas que muito doaram
Para podermos estar aqui
Uns nos ensinaram os primeiros passos
Outros a primeira lição
Aqueles que abriram meu caminho
E estes que agora estão comigo.

(Antonio dos Anjos – Viola)
22 de janeiro de 2008